quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O Vagão e as Pedras

"Agora via: todas as suas tentativas de ter uma família feliz e equilibrada falharam. Ela também fez longas orações, buscou cumprir boas tarefas como cristã. Participou de estudos bíblicos profundos e foi a vários Congressos e Seminários, mas nenhuma boa tarefa religiosa que cumpriu lhe trouxe a paz e a força que necessitava para prosseguir. Na verdade, perdeu o rumo, o fio da meada e estava perdendo as estribeiras. Havia acabado de perder um turno de trabalho, a paciência com os filhos e o respeito pelo marido. O vagão perdeu os trilhos. E Deus? Oh, ela O ama. Mas onde Ele está? - se perguntou- com o coração aflito.
 - Eu O desapontei - confessa. Eu estraguei tudo.
Ela ajunta as mãos uma na outra, como numa prece e soluça: - Meu Deus, meu Deus. Eu preciso tanto do Senhor, meu Deus.
  Jamais, enquanto viver, ela não saberá explicar aquele momento, aquela fração de segundo em que sentada na cama chorando, Ele veio. Ela não viu nuvens, nem fogo, relâmpagos e nem trovões. Ele não viria assim ter com alguém cujo coração estava em chamas. Anos mais tarde, ela tentou expressar aquele momento:
  - Ele chegou silencioso. Suavemente Ele se colocou ao meu lado. Senti Sua mão por sobre o meu ombro, como num abraço. E se achegando a mim, pude ouvir em meu coração: Filha, minha filha. Sua voz era doce. Não havia acusação, nem repreensão. Também não havia nenhuma surpresa com meu desespero, nem com a dureza e secura do vagão cinzento. A Sua voz  era como um fluir de amor enchendo aquele quarto, um calor amolecendo o vagão, aquela coisa sem vida.
   A atmosfera mudou, uma luz entrou, penetrando o coração dela. Ela não ousou se mover com receio de perder aquele momento. Como uma criança, ela se desmanchou diante dele, Daquele, o Único que poderia salva-la.
   - Estou perdendo tudo Senhor - disse ela baixinho. mas não me deixe te perder Senhor, eu lhe peço.
   A resposta entrou em seu coração para nunca mais sair:
   - As vezes é preciso perder tudo para Me achar.
   - Mas dói tanto Senhor...
   -Vai valer à pena, minha criança. Vai valer à pena.
Ela sabia que jamis se esqueceria daquelas palavras. Ainda ficou ali por um tempo, sem se mover/ Era um instante único, um encontro que mudaria sua vida para sempre! Temia estragar aquele momento. O Santo estava em seu quarto, ainda que não pudesse vê-Lo. A presença dele era ao mesmo tempo fogo e brisa. Um fogo que consumia a morte dela e brisa que lhe soprava vida e paz.
   Impossível calcular quanto tempo esteve assim, enlaçada nele. Estava com o Eterno. Ela a tocou e ela tocou a eternidade. De repente, tudo, todo o peso do enorme vagão não passava de flocos de neve que caindo ao chão, se dissolviam. A paisagem não era mais cinzenta... Seu desespero já não fazia sentido algum. O milagre que buscava, a resposta que esperava, o amor perfeito que sonhava  havia chegado. Estava ali. O Senhor deus estava ali, ela podia senti-Lo. Ele veio e ela não sentia mais necessidade alguma. Tudo nela estava completo. Tudo pareceu ir embora: o anseio de calcular, de planejar,de controlar, de solucionar. Agora Ele estava ali com ela e isto era suficiente. Uma daquelas pedras cinzentas havia saído do vagão: a pedra da grande mentira que a fazia se sentir jogada no mundo sem ninguém que a ame de verdade.
   Então ela se recostou na cama, como uma sobrevivente chegando em casa, em seu lugar de descanso, depois de uma longa batalha. Uma batalha que durou 40 anos. Sim, agora estava com o Papai. Sua habitação era a sombra do Altíssimo. Este era o seu esconderijo. Sentia-se segura e totalmente em paz. O Amor chegou, a tocou com graça e tomou todo o lugar do medo. A pedra do desamor e da rejeição se foi! Ela suspirou fundo, dizendo baixinho:
   - Meu Pai, Senhor e Consolador da minha vida, meu Amor maior Jesus.
   Sentiu Ele declarar: Filha minha, Filha Amada.
   Ela sorriu e deu um suspiro ainda mais profundo: havia encontrado o que buscara a vida toda. Sua procura chegava ao fim. Cansada, quase fechando os olhos, sussurrou a  Ele:
- O Senhor virá outra vez, eu sei... Mas eu queria tanto que não fosse embora nunca mais.
  E adormeceu."
Livro  "A Filha Amada"   Marilene Ferreira

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